Analysis of Muriel

Ruy Belo 1933 (Lisbon) – 1978 (Parque dos Poetas in Oeiras.)



Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido.


Scheme aaaaabaccbadecdafacgaegaabaadeehaieebceedhajaaaeaaecaeaaeebkhabfbeieeeebeeideedeljeddjeeeabedeaabbbBbbeebdejjejeabaeBaaa
Poetic Form
Metre 1111111 1111111111 101110111111 10111111 110111 1111111 1110111 101111111 1111101111 1111111111 11110101 1111011 1101111 1011111 1110101110 11011111 1110111111 111010111 11111111 11101111101 1111111 11110011 11011111101 11111011 110111101 111111111 1111111 111110111111 1111111 11111111111 1110111011 110011111111111 1111111111 11010111 1010110011111011 1111111 1111111111111 1101110101 111110 11011110010 1110011111 1111101111 111111111111 1111110111 11111101 1111011 11111111 11011111 11111 11111 111011111 111111 1111101111111 11001111101111 11111111 111111111 111101011 11111111 1101110 101111111 1111111 1111111 11111110 11111010 11111 111101 111011 1011111 11111 1111111 1111111 11011111 10111111 11101111111 110111111 111111110 101111 11111101 110101111 1111 11111111011 101101111 10111111 1110101111 11111111111 11111111 11011111 1110111 101111110111 11101011 111111 111011 11101111 1111011111111 11111 11111 11111111 1111111110 11101011 101111111 111101110100 1111011110 1111111 1111111 111111001 111110111 1101111111 111111 111110 11111111 1111111111110 11111011 111111 1111111111 11110111111 11111111111 101111111 111111111111 111111 111111
Closest metre Iambic heptameter
Characters 4,550
Words 855
Sentences 3
Stanzas 1
Stanza Lengths 120
Lines Amount 120
Letters per line (avg) 30
Words per line (avg) 7
Letters per stanza (avg) 3,561
Words per stanza (avg) 855
Font size:
 

Submitted by prurido on May 29, 2020

Modified on April 26, 2023

4:16 min read
75

Ruy Belo

Ruy de Moura Belo (São João da Ribeira, 27 February 1933 – 8 August 1978 in Queluz) was a Portuguese poet and essayist. He is considered one of the most famous existentialists of the twentieth century in Portuguese-speaking countries. Ruy Belo also worked as a translator. Born in the small community of São João da Ribeira, near Rio Maior, Ruy Belo began to study law at the University of Coimbra Law in 1952. He finished his law degree in 1956 at the University of Lisbon. He then studied canon law at the Pontifical University of St. Thomas Aquinas in Rome. Belo earned a doctorate in the same subject soon afterward, with a thesis entitled Ficção Literária e Censura Eclesiástica, regarding German literary fiction and religious censorship. During his stay in Rome, Ruy Belo was also a member of the Catholic organization Opus Dei. In 1961, Ruy Belo quit Opus Dei, and published his first poetry book, Aquele Grande Rio Eufrates. After returning to Portugal, Ruy Belo worked as Assistant Director of Department in the Ministry of Education, a function he resigned for political reasons when he was going to be appointed as Director. In June 2003, a statue of Ruy Belo was erected in the Parque dos Poetas in Oeiras.  more…

All Ruy Belo poems | Ruy Belo Books

1 fan

Discuss this Ruy Belo poem analysis with the community:

0 Comments

    Citation

    Use the citation below to add this poem analysis to your bibliography:

    Style:MLAChicagoAPA

    "Muriel" Poetry.com. STANDS4 LLC, 2024. Web. 27 Apr. 2024. <https://www.poetry.com/poem-analysis/53527/muriel>.

    Become a member!

    Join our community of poets and poetry lovers to share your work and offer feedback and encouragement to writers all over the world!

    April 2024

    Poetry Contest

    Join our monthly contest for an opportunity to win cash prizes and attain global acclaim for your talent.
    3
    days
    2
    hours
    31
    minutes

    Special Program

    Earn Rewards!

    Unlock exciting rewards such as a free mug and free contest pass by commenting on fellow members' poems today!

    Browse Poetry.com

    Quiz

    Are you a poetry master?

    »
    How may lines and syllables are in a Japanese Waka poem?
    A 15 syllables in 7 lines
    B 31 syllables in five lines
    C 30 syllables in every other line
    D 50 syllables in 7 lines